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quarta-feira, 26 de junho de 2013

O termo Surdez, gerando polêmica!

     O termo Surdez, colocado no nome do meu blog, tem gerado discussões (positivas, espero!) e suscitado
 colocações que me fizeram pensar a respeito da questão psicanalítica da FALTA. 

     A questão era: " Por que usar o termo surdez e não surdo, já que surdez estaria vinculado ao significante patologia?"

      Bom, para começar, pensei ao que o significante patologia estaria vinculado. Então me vieram outros significantes que imagino fazer ligação para o Surdo: doença, deficiência, dependência, limite, perda, falta. E esses significantes estão assim interligados, por que? Bem, por muitos anos, e poderíamos dizer, até séculos, o Surdo foi visto pelos não Surdos, como pessoas fragilizadas, a margem da sociedade, assim como os cegos, cadeirantes, Síndromes de Down, dentre outros. E, com o avanço da tecnologia foram sendo criadas formas de suprir, completar, melhorar, a vida das pessoas em geral, e aí, todos estão incluídos, pois a tecnologia vem para tentar encobrir a falta de todos. Logo, são criados instrumentos, aparelhos, artifícios que sugerem que, se antes faltava, agora não mais.  E então voltamos a questão da FALTA. Que está para todos os seres humanos, incompletos, insatisfeitos e limitados.

     O significante Surdez vem evidenciar uma falta corporal. Falta um tipo de percepção. É isso. Só isso. Mas, é só isso mesmo? Pois a partir dessa falta corporal, foram dados outros sentidos como incapacidade, impossibilidade.
     Ora, mas, em um certo sentido, somos todos, em algum momento da vida, incapazes. Essa é uma determinação da falta que habita cada um de nós.  Em não poder ter tudo, ser tudo, fazer tudo. Mas, ao mesmo tempo, se falta, vamos buscar. E ela que nos move, nos estimula, em uma procura sem fim. Se não houvesse nada faltando, se o Desejo fosse plenamente satisfeito, que horror seria a vida, sem nada a acrescentar em nós mesmos.

      E nesse sentido, não vejo problema em ter esse termo no título do meu blog. Aliás, foi a partir desse termo que se produziu uma discussão. Então, ele diz de uma falta que produz algo.
      Que possamos todos nos apropriar da nossa própria deficiência, da falta que nos habita e que busquemos produzir algo para além!



quinta-feira, 23 de maio de 2013

O discurso ouvinte e o discurso Surdo: isso existe?

   Quem trabalha diretamente com pessoas surdas, "escuta" uma fala muito recorrente. A de que o discurso ouvinte é o discurso dominante e que esse discurso se torna uma imposição social, onde o Surdo se vê excluído devido a barreira linguística. Bem , é preciso analisar com cuidado esse pensamento sustentado pela comunidade Surda e até por alguns ouvintes que trabalham junto ao Surdo, para que esse posicionamento não seja causa de mais discriminação. É muito perigoso generalizar, como se todos os Surdos pudessem ser condensados em um único dizer. Seria igualmente injusto o mesmo ser feito com os ouvintes. 
     É na sessão de análise que podemos ver o quanto isso se torna impossível. É na singularidade do discurso de cada sujeito que se propõe a falar, que modos de subjetivação aparecem, todos distintos e ricos de significação e sintomas. Quando, nós ouvintes, colocamos frases como: "os Surdos são assim", ou: "ele fez isso porque é Surdo", "Surdo é sempre assim", etc, estamos eliminando toda a sua experiência de vida, todo o seu conhecimento, seus valores, seu encadeamento inconsciente, e aniquilando dentro de nós mesmos, a possibilidade de escuta do sujeito em sofrimento, com o objetivo de uma proposta de mudança de posição subjetiva, frente àquilo que o faz sofrer. 
       Os Surdos podem apresentar adoecimentos depressivos, obsessivos,  histéricos, fóbicos, ou psicóticos, assim como os ouvintes pois  seu inconsciente também é estruturado como uma linguagem e eles estão "condenados"  à trama simbólica que nos mantém falantes.  Agora, como o sintoma é vivenciado por cada um e os ganhos que se tem, isso só pode ser visto caso a caso.
     Visto isso, na sessão de análise está abolido qualquer pensamento preconceituoso que coloque Surdos e ouvintes em lados opostos. Também é proibido qualquer forma de igualdade, de equiparação, pois o que se busca é algo que aponta para uma diferença.
     O SUJEITO é único, singular. Não é Surdo, ou ouvinte, homem ou mulher, velho ou jovem. Ele simplesmente é e fala. As formações inconscientes se manifestam de forma exclusiva, ou seja, naquele sujeito e são como as digitais: cada um com as suas.
      

     

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A imagem que o Surdo tem, muitas vezes é a imagem que o Surdo passa!

     Pelo que o Surdo luta? Por seus direitos. Direito de ser respeitado, de ser visto como minoria linguística e não como deficiente, direito de ter seu espaço garantido, direito de ser tratado como igual ao ouvinte, com relação as suas capacidades sociais, cognitivas, emocionais, enfim, a lista é grande e justa. O Surdo, apesar da demora da sociedade em conhecer sua língua, cada vez mais encontra espaços de encontros, discussão, possibilidades de provar seu valor e isso é demonstração de união e força entre a comunidade Surda.
     Por me encontrar junto a esse trabalho, luto junto, pois acho que o mundo é grande e tem lugar para todos. As diferenças não são privilégio de poucos, afinal somos todos diferentes.
     Porém, por acreditar nas possibilidades de crescimento subjetivo de cada um (mesmo quando não são meus pacientes) não posso me conformar com algumas situações em que o Surdo se coloca, dando a ideia errada de que ele é dependente da caridade alheia, ou que, por ser Surdo não pode assumir deveres sociais, como qualquer adulto normal. 
      Essa minha indignação se deu porque, mais de uma vez, me deparei com um homem, relativamente jovem, saudável, Surdo, que entra no ônibus, distribuindo papeizinhos que dizem mais ou menos assim: "Por favor, sou Surdo e moro com outro que depende de mim. Se você puder me ajudar eu agradeço. Ajude com qualquer valor..." Ele já subiu no meu ônibus várias vezes. Eu sempre falo com ele em Libras. Já o encontrei tantas vezes que ele já parou de perguntar se eu sou Surda ou ouvinte (essa é a primeira pergunta que um Surdo faz a alguém que fala Libras e que ele está conhecendo pela primeira vez). Da última vez que eu o encontrei, perguntei: "Você conhece a APADA?" Ele disse que sim. Falei então: " Você sabe, lá tem o Serviço Social que encaminha Surdos para o mercado de trabalho, se você quiser, pode ir lá nós vemos o que pode ser feito. Ele "fechou a cara", pegou meu papel, virou e depois de recolher todos os outros, foi embora.
     Que imagem de Surdo ele está passando para todas àquelas pessoas e para todas as outras que ele encontra todo dia, em que vai mendigar no ônibus? Existem várias mensagens explícitas e implícitas no papel que ele distribui. Pelo que está escrito, por ele ser Surdo precisa pedir, pois não pode trabalhar. E ainda tem outro, que mora com ele e depende dele. Ou seja, se é outro Surdo, é ainda mais dependente, pois vive das esmolas do amigo. Ou seja é mais "coitadinho" do que esse que pede. As pessoas do ônibus, que se comovem, não sabem da luta da Comunidade Surda, não sabem que Surdos podem trabalhar, estudar, ter filhos, muitos são politizados e se engajam nesse processo de assegurar uma vida digna.
    
     Essa atitude de recusa dos deveres, que alguns Surdos apresentam comprometem toda a comunidade Surda. São pessoas que abusam da boa fé dos outros e usam a Surdez para terem todos os direitos e nenhum, ou quase nenhum compromisso. É aquela pessoa Surda, (não que os ouvintes não façam isso) que se senta no banco dos "deficientes" mais não se considera  deficiente e quando vê um vovozinho precisando sentar, não dá o lugar, porque aí é deficiente. Ou, não é deficiente, porque Surdo não é Deficiente, mas tem passe especial. Ou então, o Surdo que diz que está fazendo faculdade, mas pede para um ouvinte conhecido dele, fazer os seus trabalhos. E, se o ouvinte se recusar, ele não é "amigo do Surdo". 
     Portanto, não se deixem enganar: direitos e deveres são iguais para todas as pessoas e malandragem a gente também encontra em vários seres humanos, não importando  suas diferenças.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Surdo e a Saúde Mental: O que fazer?

     Quando um Surdo precisa ser atendido em seu sofrimento mental aqui em Niterói, procura, em primeiro lugar, a APADA- Niterói. Lá eles contam com um suporte terapêutico mínimo: Assistente Social e Psicologia. Temos uma escuta diferenciada, já que utilizamos a Libras no atendimento. Isso é ótimo e é assim mesmo que precisa ser em qualquer espaço que se propõe ao atendimento de Surdos.Atendemos assim, várias demandas: Histeria, Transtorno Obsessivo Compulsivo, ansiedades, fobias, alguns transtornos de Personalidade. Porém, esbarramos em um problema: o atendimento de Surdos Psicóticos. Para quem não está familiarizado com o termo, esses são alguns exemplos: Esquizofrenia, Paranóia e Transtorno Bipolar. Esses sintomas mais graves precisam de um suporte mais amplo, que nós, infelizmente, não temos condições, atualmente, de oferecer. Pois bem, esses são alguns exemplos de pessoas que deveriam ser referenciadas aos CAPS, pois necessitam de alternativas de acolhimento e tratamento que vão além do oferecido pela nossa Instituição. E, aí, o que fazer? Pois os CAPS, aqui em Niterói, são bem estruturados, existe um número razoável, (apesar da demanda ser enorme e, sendo assim, sempre há a necessidade de mais), além das residências terapêuticas, que, como o próprio nome já diz, são casas onde uma equipe de referência cuida dos moradores, usuários da rede de saúde mental, que são impossibilitados, por diversos motivos, de voltarem para suas famílias. Porém, apesar da proposta de inclusão social, esses lugares de tratamento não se adequam as necessidades de todos. Os Surdos estão excluídos, pois o trabalho é todo voltado para usuários ouvintes. 
     O que fazer com um Surdo, usuário de Libras, que interna em uma enfermaria do Hospital Psiquiátrico e que ninguém entende o que ele diz? Como fazer um diagnóstico sem escutá-lo? Como medicá-lo? Como referenciá-lo a um CAPS para tratamento contínuo, se ele é usuário de uma língua, que poucas pessoas compreendem?
     O que fazer? Essa é a pergunta essencial, que nos persegue. Mesmo nós, que trabalhamos com essa demanda,  por várias e várias vezes nos fazemos esse questionamento. O que fazer quando o sujeito nos procura e não temos como atendê-lo e não temos para onde mandá-lo. E estar fora do "laço social" duplamente. 
O que fazer?