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sábado, 19 de novembro de 2011

Um "estrangeiro" em seu próprio país?

          Há algumas semanas atrás fiz um acompanhamento terapêutico com uma paciente Surda profunda, ao ginecologista. Fomos ao posto de saúde perto da casa dela.
       Não estava lá, para lhe servir de intérprete. Não era essa a minha intenção e nem poderia ser, pois não tenho a formação. Fui por dois motivos: primeiro, porque seria importante para o seu tratamento, por razões que se apresentam nas sessões e que não cabe aqui, dizer e segundo,  para ver como é ser Surdo e ter que "se virar" na vida, nos lugares mais comuns e onde as pessoas não fazem idéia do que ele quer dizer.
     Chegando no posto, ela tentou explicar ao recepcionista, em que gostaria de ser atendida. Ele até que tentou entendê-la. Gesticulou, falou devagar, fez mímica, mas nada feito. Precisei ir até lá e dizer "por ela", o que ela queria. Eperamos muito para que ela entrasse no consultório. Normal. Posto de Saúde, SUS, né? Fazer o quê?
    A médica chamou. Nós entramos. Não houve um: "bom dia", ou "oi", só um seco e direto: " o que é que ela tem? Engraçado, não houve nem uma tentativa de comunicação com a paciente. Veio direto a mim. Também pouco se importou com quem eu era e porque estava ali. Me apresentei e sinalizei para a paciente o que a médica havia perguntado. Como minha paciente foi ignorada pela médica, ela fez o mesmo. Se dirigiu a mim e pediu que eu falasse os seus sintomas.
     A consulta não durou 10 minutos. A médica não encostou a mão nela. Munida de várias cartelas de anticoncepcional, (para 1 ano), minha paciente, que precisava de um exame preventivo, não pôde fazer no mesmo dia. Não sei dizer por que. Pois, pelos sintomas, a médica entendeu que era mesmo necessário esse exame. Teria que voltar em duas semanas para realizar o mesmo.
   Voltamos no prazo marcado e advinhem? A médica faltou. Remarcamos para dali a um mês!!! Um detalhe importante: se ela estivesse sozinha, ninguém iria conseguir explicar para ela, porque não seria possível realizar o exame marcado. Não iriam conseguir marcar com ela a nova data e ela não voltaria ao posto. Mas, enfim, voltamos e a consulta e o preventivo duraram, sem exagero, cinco minutos. A médica mal olhou para nós duas. A técnica de enfermagem, essa sim, super- atenciosa e cuidadosa, conversou com a paciente, (através de mim, é claro), tentou acalmá-la, pois a mesma tinha medo do exame e depois que terminou a notícia avassaladora: o exame só fica pronto daqui a DOIS MESES. Ou seja, nós começamos nossa saga no posto no início de Outubro e ela só irá saber o resultado para começar o tratamento em FEVEREIRO.
     Toda essa situação já é dura para os ouvintes, imaginem para uma moça Surda. É uma tristeza que a população em geral, tenha que passar por isso, mais ainda a população Surda.
     Pude sentir um pouquinho do que é estar em um mundo onde o muro que se ergue a frente das oportunidades, tem o triplo do tamanho para os Surdos, por causa da deficiência dos ouvintes em se interessar e compreender o diferente.




terça-feira, 26 de julho de 2011

O lugar do analisando é na análise!!!

     Deitar no Divã, ou Não? Alguns dirão: É claro que sim! Isso é pergunta que se faça! Nem parece psicanalista!!!" Outros ficarão na dúvida, mas não arriscarão nada diferente. Afinal é parte da técnica. Pode--se nem entender muito bem porque, mas...
      Eu, simplesmente não conseguiria oferecer análise para alguns de meus pacientes sem abrir mão do Divã. Eles precisam ficar de frente o tempo todo! O Surdo precisa ficar olhando para minhas mãos, ou para meus lábios, para entender as pontuações, as questões que se apresentam através da fala na análise. É fundamental que o analista suporte esse olhar e poder perceber e pontuar até o que disso se produz. Para o Surdo, não existe outra escolha. É uma imposição.
      Freud colocou em um de seus textos, com outras palavras, naturalmente, que para ele era insuportável ficar encarando seus analisandos, durante seis, oito horas, todos os dias. O uso do Divã servia para lhe aliviar um incômodo. Depois, com o avanço da técnica, o uso do Divã foi assumido com outros propósitos.
     É realmente difícil, em certos casos, sustentar o olhar de certos pacientes. Mas cabe ao analista questionar o porquê dessa dificuldade. Por que com alguns e não com todos? O que é do inconsciente de cada um, que pode se manifestar na sessão como um "mal estar do olhar"? O que é do paciente e o que é do próprio analista?
     Nenhum dos pacientes que  atendo pontuou em análise algo sobre o olhar do analista sobre si enquanto fala. É diferente  do silêncio em análise. Àquele momento, em que nenhum dos dois falam nada e o analista permanece olhando para o seu paciente. É o olhar acompanhado do silêncio que mobiliza o mesmo, ou a ambos, que desconcerta, e que move o sujeito a falar. Sustentar esse olhar que faz faltar e que é necessário para que algo se produza não é simples. Desse olhar o paciente algumas vezes se queixa, se envergonha, se irrita. Mas, isso não acontece só com os Surdos, acontece com ouvintes também. Fazer ouvir a voz do inconsciente, ou melhor, fazer ouvir os sinais do inconsciente...
      O olhar que silencia. O olhar que espera. Espera que algo do Sujeito se manifeste, e que ele possa se responsabilizar por isso.
    

sexta-feira, 22 de julho de 2011

É possível a Psicánalise com Surdos?

          Trabalho há quatro anos com Crianças, Adolescentes e Adultos Surdos, usuários, ou não da Libras (língua de Sinais Brasileira). No começo de minha atuação, achava que seria impossível o trabalho com Psicanálise. Como perceber atos falhos, chistes, jogo de palavras? O Surdo é capaz disso? Como? Como fazer funcionar o "setting" terapêutico, se o Surdo não pode ficar sem me ver? Deitar no Divã, ou permanecer sentado? Usar a Libras, falar, utilizar os dois meios ao mesmo tempo? É possível conduzir uma sessão de modo que o sujeito se depare com seu desejo, mude de posição diante do que lhe faz sofrer? E o inconsciente se manifesta de que maneira? É diferente a questão da Libras, com adultos e crianças?
     Essas e muitas outras questões se apresentaram e ainda hoje me deixam inquieta e cada vez mais interessada nesse "Mundo Surdo" como a maioria gosta de chamar.
     Não conseguirei em uma só postagem, dizer tudo o que penso a respeito de meus atendimentos, mas o importante é começar!!! 
     Eu resolvi iniciar falando da diferença entre atender uma criança e um adulto. É claro que com crianças é utilizado material lúdico: brinquedos, material de artes, jogos, para que elas se sintam acolhidas e entrando em um espaço que tem a ver com elas. Já com um adulto, ou mesmo com adolescentes se privilegia a fala direta, com Libras, sem a utilização de outros recursos. Porém, como cada sujeito tem suas marcas e sua história, sua estrutura e suas dificuldades, alguns adultos necessitam de recursos visuais, por exemplo, que normalmente eu usaria com crianças.
      Com as crianças existe uma questão que é crucial no desenvolvimento e que, em muitas famílias, leva tempo para ser vista e mudada: a dificuldade dos pais de aceitarem a Surdez dos filhos e iniciarem com eles o aprendizado da Libras para se comunicarem entre si. Normalmente o que vejo, são crianças atrasadas linguisticamente, porque, ou são levadas mais tarde para o aprendizado da Língua, ou porque os pais a levam mais não querem aprender também e não se comunicam com a criança em casa. Por uma série de razões, cada família tem a sua. Isso faz com que a repetição da Língua não se dê em todos os espaços, limitando sua utilização na aula, com os professores, ou no momento do atendimento de Psicanálise, por exemplo.
     Com uma criança Surda que está começando a entrar em contato com a Libras, o analista  ao mesmo tempo em que se encontra em uma posição privilegiada, pois  vê desde o início, o sujeito entrando em contato com sua Língua e se apropriando dela para daí perceber os seus desdobramentos, também se vê marcado por muitos impasses. Porque, por esse sujeito ainda não ter o domínio linguístico para dizer o que quer, o que pensa, muitas vezes, um sinal que  o analista faz não tem sentido para aquela criança, naquele momento. So o terá mais tarde. O analista imprime nesse sujeito alguma marca. E isso é tão sério e precisa se ter tanta cautela. O analista nesse momento não silencia para dar lugar, mas fala para que mais fala se produza. Quem sabe? Isso, só o tempo dirá.

     As faixas etárias influem muito no modo como se dão as sessões. Mas, a cultura individual, a forma como cada um se apropria da Língua, também cria um enorme campo de possibilidades.
      Com o  Surdo adulto, por exemplo. Àquele que tem um vasto conhecimento da Libras, seu vocabulário é extenso e permite um enriquecimento na sua fala e uma maior compreensão do que lhe é perguntado, ou dito. Existem Surdos que oralizam também. Fazem leitura labial. Isso às vezes é um facilitador quando o Psicanalista é ouvinte e utiliza um sinal que o Surdo não conhece. Este, pela leitura labial e tendo um conhecimento maior do Português, pode entender o  sinal que o analista usou em alguma pontuação necessária. Existem também Surdos que não tem tanto conhecimento da Língua (Libras), ou não oraliza, não faz leitura labial, ou sabem muito pouco, ou nada do Português. Não tem muito contato com outros Surdos e isso gera situações de impasse, muitas vezes. Mas, os ditos impasses, existem também com os pacientes ouvintes. Pelo menos eu penso isso. O ouvinte também tem seus embaraços com a Língua e isso, inclusive, produz algo que diz do próprio sujeito. Por isso, não nego atendimento. Pelo contrário, quero cada vez mais criar espaços onde, de alguma forma o sujeito seja capaz de se posicionar, de falar. O quanto o sujeito não sabe, não é impedimento para a análise, pelo contrário. Afinal,não é disso que se trata a análise? Poder falar sem ter um saber total do que se diz, pois há algo que é do inconsciente. Não é na análise que se abre uma possibilidade de dar sentido, de fazer ver, escutar algo que está ali, mas não nos damos conta? Isso pode se realizar independentemente da língua que se faz uso. Independe também o quanto se sabe em termos de vocabulário, ou de gramática. Ou não? O que vocês leitores pensam a respeito disso?