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domingo, 11 de novembro de 2012

O pai do Surdo, onde está?

     Escrever sobre pais de crianças Surdas não é tarefa simples para mim. Isso porque é difícil (mas não impossível) ver os pais participando da vida de terapia do filho Surdo. Normalmente, essa tarefa é delegada a mãe e em alguns casos à avós, tias, irmãs...
     Seria possível nos debruçarmos em algumas hipóteses para esse esvaziamento masculino no tratamento dos filhos Surdos e na própria relação familiar com os mesmos. Talvez isso aconteça porque, em nossa cultura - apesar de estar mudando- ainda vemos como obrigação feminina cuidar da prole, o que deixaria o homem livre para cuidar do sustento da família. Mas, então vejamos: hoje, a grande maioria das mulheres trabalham fora, às vezes somente elas trabalham para o sustento de todos, enquanto o homem fica em casa. Então, a vida ocupada do homem não seria um fator de impedimento para sua participação na vida do filho.
     Poderia se pensar também na própria condição machista feminina que se vê na obrigação de dar conta dos filhos, não conseguindo delegar aos maridos uma função que é vista como delas. Ora, isso poderia, aos poucos ser quebrado, se os próprios homens se colocassem com interesse em assumir os cuidados dos filhos. Mas será que não existe aí, uma acomodação masculina? Então, já que ela não quer deixar, também não vou insistir,pois isso pode gerar conflitos, poderiam pensar os pais. 
     Uma terceira hipótese poderia ser o fato de que alguns homens alegam "não ter jeito" para cuidar dos filhos, coisa que a mulher faz "melhor". Então, não conseguem estar nos lugares que expressam algum tipo de cuidado como clínicas, Associações de Pais, consultas... Conversar com a analista do filho, nem pensar! Psicólogo é coisa de maluco, ou um lugar muito feminilizado, porque "Homem que é Homem", não vai ficar falando dos problemas, se queixando, chorando por causa de filho! E se a Psicóloga for mulher, tanto pior. Ainda por cima, uma mulher para dizer o que está faltando, apontando suas faltas, lhe dizendo o que fazer! Isso é tão doloroso para alguns pais, que suas esposas acabam ouvindo o que pertence a elas e a eles também. Então fica tudo muito injusto. A mãe tendo que arcar com todas as responsabilidades, se sentindo culpada, incompetente e cobrada dos terapeutas, médicos, educadores...  
     Nós terapeutas também temos nossa parcela de responsabilidade nisso. Devemos tomar cuidado para não cair na armadilha de achar que, basta chamar a mãe para conversar, pois ela será nossa porta-voz para o pai da criança e que cabe a ela mudar o comportamento do pai dentro de casa. Se agirmos assim, também estaremos reforçando um comportamento cultural que impede o pai de estar presente e se manifestar no cuidado com o filho. O pai deve escolher se quer participar ou não das reuniões, mas ele deve sempre ser chamado.Chamá-lo é dizer que sua palavra tem um lugar e que ela é fundamental na vida do filho. O pai é aquele que, em psicanálise faz o corte entre a mãe e seu bebê, permitindo a entrada da criança no simbólico. Muitas vezes, na relação da mãe com o seu filho Surdo, essa entrada do pai se torna impossível em casa. Logo, o lugar da terapia não deve ser um reforçador dessa díade mãe e filho, interminável, mas um lugar onde o pai pode aparecer e ter sua palavra escutada para o bem do sujeito a advir.  
     
     

sábado, 10 de novembro de 2012

Toda criança precisa ser Adotada.

     Quando um homem e uma mulher sonham com a possibilidade de ter um filho, fantasiam a respeito de como ele vai ser, o que irá fazer, do que vai gostar, enfim, isso diz de uma idealização. Este é seu filho ideal. Podemos dizer, sem medo de errar, que, 99,9% desses casais, não sonham com um bebê que venha com algum tipo de deficiência. O narcisismo, presente em todos nós, dificilmente permitiria que a aceitação  da vinda de uma criança, que foi gerada e que carrega o material genético dessas duas pessoas, se desse sem nenhum tipo de marca ou trauma. Logo, quando a criança que nasce, mostra desde cedo que algo é diferente do que se esperava  em termos físicos, cognitivos ou afetivos, os pais tem contato com uma ferida narcísica, que muda em muito, o modo como eles vão passar a olhar essa criança. 
    Isso é perfeitamente normal em um primeiro momento, mas não quer dizer que não precise ser tratado, cuidado.
    Esses pais passam por um período doloroso de luto, necessário para que novas possibilidades junto a essa criança possam advir. Na verdade, toda criança que nasce, com deficiência ou não, causa uma queda da fantasia, pois o bebê da realidade nunca é igual ao da idealização.
E é aí que podemos dizer que toda a criança precisa ser adotada. Esse bebê que chega precisa se manter no desejo desses pais para que possa ter um lugar. E tanto a entrada, quanto a manutenção desse desejo é o que podemos chamar de Adoção. 
     Muitas crianças Surdas têm dificuldade em serem "adotadas" por seus pais. Principalmente, na época da aquisição da Língua, onde pode se dar a descoberta de que "algo não vai bem" com o filho. Os pais ficam imersos na busca de respostas: médicos, exames, terapias, tudo gira em torno da "cura".
E o sujeito fica esquecido, atrás dessa correria contra o tempo para que ele fique bom. Ao mesmo tempo ficam se questionando: de quem é a "culpa", pelo filho estar assim? Será que ele nasceu desse jeito, então a culpa é dos pais, ou foi alguma doença, algum remédio, algo que o médico não viu...?
       São situações como essas, que o analista se depara no trabalho com a Surdez. É preciso estar atento, adotar essa família e permitir que todos os sentimentos dos pais possam ser falados, sem críticas, para que haja um trabalho gerador de novas possibilidades de ADOÇÃO!

Surdo-mudo não existe!!!

      Esse título parece estranho para você? Talvez seja porque escutamos a todo momento, nas ruas, nos lugares de prestação de serviços em geral, essa expressão recorrente: "ele é surdo-mudo, ou ele é mudinho", o que é pior ainda.  
          A expressão Surdo-mudo, era usada como um termo técnico a até pouco tempo atrás. E alguns  profissionais, na área da sáude, até hoje a utilizam, apesar de não ser, nem de longe, adequado.
      Se escutarmos com atenção esse termo veremos que nele podem estar ligados vários significantes: Exclusão, aprisionamento, passividade, impossibilidade, aquele que não tem fala, não tem o que falar... 
         É claro que as pessoas, em sua maioria, não utilizam esse termo pensando nele como forma de não dar lugar aos Surdos. Mas, inconscientemente é isso o que acontece e em muitos casos, até mesmo, dentro da própria família.
          Para vários familiares de Surdos é difícil aceitar que a transmissão da Língua se dará de modo inverso. Não são os filhos que aprenderão com os pais, mas estes terão que se submeter a "Língua Materna" dos filhos: a Libras. Mas, materno não vem da mãe? Como é doloroso para alguns pais entender que não se trata de uma passagem de saberes de uma geração para outra, mas uma troca de saberes com o filho, que originalmente, deveria estar submetido "a ordem natural das coisas." Logo, se cria um distanciamento, os pais não conseguem quebrar a barreira que se ergue, quando percebem  que seus filhos têm uma identidade que não existe no resto da família. Pois, na maioria dos casos se tem um único Surdo dentro de uma família toda ouvinte.
Dessa dificuldade familiar, surge o preconceito, a recusa em reconhecer a diferença, que faz com que, desde muito cedo, o sujeito se veja tendo que lutar pelo seu espaço, defender seus direitos de cidadão, de filiação, de existência.
         Os Surdos estão por muitas décadas, lutando para se fazerem ouvir pelos ouvintes. A Surdez acaba sendo nossa. Quando eu sei que existe uma língua própria que fará com que os Surdos possam exercer seus direitos, sua cidadania, sua subjetividade e não me interesso, não valorizo essa condição eu estou contribuindo para a opressão desse sujeito. Para mantê-lo na condição de excluído.  
     Por isso, o trabalho com pais, familiares, comunidade se faz tão necessário. É através da informação dada à sociedade e do oferecimento de um lugar de escuta dessas dificuldades parentais, que talvez seja possível se construir um lugar de inclusão.