Pelo que o Surdo luta? Por seus direitos. Direito de ser respeitado, de ser visto como minoria linguística e não como deficiente, direito de ter seu espaço garantido, direito de ser tratado como igual ao ouvinte, com relação as suas capacidades sociais, cognitivas, emocionais, enfim, a lista é grande e justa. O Surdo, apesar da demora da sociedade em conhecer sua língua, cada vez mais encontra espaços de encontros, discussão, possibilidades de provar seu valor e isso é demonstração de união e força entre a comunidade Surda.
Por me encontrar junto a esse trabalho, luto junto, pois acho que o mundo é grande e tem lugar para todos. As diferenças não são privilégio de poucos, afinal somos todos diferentes.
Porém, por acreditar nas possibilidades de crescimento subjetivo de cada um (mesmo quando não são meus pacientes) não posso me conformar com algumas situações em que o Surdo se coloca, dando a ideia errada de que ele é dependente da caridade alheia, ou que, por ser Surdo não pode assumir deveres sociais, como qualquer adulto normal.
Essa minha indignação se deu porque, mais de uma vez, me deparei com um homem, relativamente jovem, saudável, Surdo, que entra no ônibus, distribuindo papeizinhos que dizem mais ou menos assim: "Por favor, sou Surdo e moro com outro que depende de mim. Se você puder me ajudar eu agradeço. Ajude com qualquer valor..." Ele já subiu no meu ônibus várias vezes. Eu sempre falo com ele em Libras. Já o encontrei tantas vezes que ele já parou de perguntar se eu sou Surda ou ouvinte (essa é a primeira pergunta que um Surdo faz a alguém que fala Libras e que ele está conhecendo pela primeira vez). Da última vez que eu o encontrei, perguntei: "Você conhece a APADA?" Ele disse que sim. Falei então: " Você sabe, lá tem o Serviço Social que encaminha Surdos para o mercado de trabalho, se você quiser, pode ir lá nós vemos o que pode ser feito. Ele "fechou a cara", pegou meu papel, virou e depois de recolher todos os outros, foi embora.
Que imagem de Surdo ele está passando para todas àquelas pessoas e para todas as outras que ele encontra todo dia, em que vai mendigar no ônibus? Existem várias mensagens explícitas e implícitas no papel que ele distribui. Pelo que está escrito, por ele ser Surdo precisa pedir, pois não pode trabalhar. E ainda tem outro, que mora com ele e depende dele. Ou seja, se é outro Surdo, é ainda mais dependente, pois vive das esmolas do amigo. Ou seja é mais "coitadinho" do que esse que pede. As pessoas do ônibus, que se comovem, não sabem da luta da Comunidade Surda, não sabem que Surdos podem trabalhar, estudar, ter filhos, muitos são politizados e se engajam nesse processo de assegurar uma vida digna.
Essa atitude de recusa dos deveres, que alguns Surdos apresentam comprometem toda a comunidade Surda. São pessoas que abusam da boa fé dos outros e usam a Surdez para terem todos os direitos e nenhum, ou quase nenhum compromisso. É aquela pessoa Surda, (não que os ouvintes não façam isso) que se senta no banco dos "deficientes" mais não se considera deficiente e quando vê um vovozinho precisando sentar, não dá o lugar, porque aí é deficiente. Ou, não é deficiente, porque Surdo não é Deficiente, mas tem passe especial. Ou então, o Surdo que diz que está fazendo faculdade, mas pede para um ouvinte conhecido dele, fazer os seus trabalhos. E, se o ouvinte se recusar, ele não é "amigo do Surdo".
Portanto, não se deixem enganar: direitos e deveres são iguais para todas as pessoas e malandragem a gente também encontra em vários seres humanos, não importando suas diferenças.