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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A imagem que o Surdo tem, muitas vezes é a imagem que o Surdo passa!

     Pelo que o Surdo luta? Por seus direitos. Direito de ser respeitado, de ser visto como minoria linguística e não como deficiente, direito de ter seu espaço garantido, direito de ser tratado como igual ao ouvinte, com relação as suas capacidades sociais, cognitivas, emocionais, enfim, a lista é grande e justa. O Surdo, apesar da demora da sociedade em conhecer sua língua, cada vez mais encontra espaços de encontros, discussão, possibilidades de provar seu valor e isso é demonstração de união e força entre a comunidade Surda.
     Por me encontrar junto a esse trabalho, luto junto, pois acho que o mundo é grande e tem lugar para todos. As diferenças não são privilégio de poucos, afinal somos todos diferentes.
     Porém, por acreditar nas possibilidades de crescimento subjetivo de cada um (mesmo quando não são meus pacientes) não posso me conformar com algumas situações em que o Surdo se coloca, dando a ideia errada de que ele é dependente da caridade alheia, ou que, por ser Surdo não pode assumir deveres sociais, como qualquer adulto normal. 
      Essa minha indignação se deu porque, mais de uma vez, me deparei com um homem, relativamente jovem, saudável, Surdo, que entra no ônibus, distribuindo papeizinhos que dizem mais ou menos assim: "Por favor, sou Surdo e moro com outro que depende de mim. Se você puder me ajudar eu agradeço. Ajude com qualquer valor..." Ele já subiu no meu ônibus várias vezes. Eu sempre falo com ele em Libras. Já o encontrei tantas vezes que ele já parou de perguntar se eu sou Surda ou ouvinte (essa é a primeira pergunta que um Surdo faz a alguém que fala Libras e que ele está conhecendo pela primeira vez). Da última vez que eu o encontrei, perguntei: "Você conhece a APADA?" Ele disse que sim. Falei então: " Você sabe, lá tem o Serviço Social que encaminha Surdos para o mercado de trabalho, se você quiser, pode ir lá nós vemos o que pode ser feito. Ele "fechou a cara", pegou meu papel, virou e depois de recolher todos os outros, foi embora.
     Que imagem de Surdo ele está passando para todas àquelas pessoas e para todas as outras que ele encontra todo dia, em que vai mendigar no ônibus? Existem várias mensagens explícitas e implícitas no papel que ele distribui. Pelo que está escrito, por ele ser Surdo precisa pedir, pois não pode trabalhar. E ainda tem outro, que mora com ele e depende dele. Ou seja, se é outro Surdo, é ainda mais dependente, pois vive das esmolas do amigo. Ou seja é mais "coitadinho" do que esse que pede. As pessoas do ônibus, que se comovem, não sabem da luta da Comunidade Surda, não sabem que Surdos podem trabalhar, estudar, ter filhos, muitos são politizados e se engajam nesse processo de assegurar uma vida digna.
    
     Essa atitude de recusa dos deveres, que alguns Surdos apresentam comprometem toda a comunidade Surda. São pessoas que abusam da boa fé dos outros e usam a Surdez para terem todos os direitos e nenhum, ou quase nenhum compromisso. É aquela pessoa Surda, (não que os ouvintes não façam isso) que se senta no banco dos "deficientes" mais não se considera  deficiente e quando vê um vovozinho precisando sentar, não dá o lugar, porque aí é deficiente. Ou, não é deficiente, porque Surdo não é Deficiente, mas tem passe especial. Ou então, o Surdo que diz que está fazendo faculdade, mas pede para um ouvinte conhecido dele, fazer os seus trabalhos. E, se o ouvinte se recusar, ele não é "amigo do Surdo". 
     Portanto, não se deixem enganar: direitos e deveres são iguais para todas as pessoas e malandragem a gente também encontra em vários seres humanos, não importando  suas diferenças.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Surdo e a Saúde Mental: O que fazer?

     Quando um Surdo precisa ser atendido em seu sofrimento mental aqui em Niterói, procura, em primeiro lugar, a APADA- Niterói. Lá eles contam com um suporte terapêutico mínimo: Assistente Social e Psicologia. Temos uma escuta diferenciada, já que utilizamos a Libras no atendimento. Isso é ótimo e é assim mesmo que precisa ser em qualquer espaço que se propõe ao atendimento de Surdos.Atendemos assim, várias demandas: Histeria, Transtorno Obsessivo Compulsivo, ansiedades, fobias, alguns transtornos de Personalidade. Porém, esbarramos em um problema: o atendimento de Surdos Psicóticos. Para quem não está familiarizado com o termo, esses são alguns exemplos: Esquizofrenia, Paranóia e Transtorno Bipolar. Esses sintomas mais graves precisam de um suporte mais amplo, que nós, infelizmente, não temos condições, atualmente, de oferecer. Pois bem, esses são alguns exemplos de pessoas que deveriam ser referenciadas aos CAPS, pois necessitam de alternativas de acolhimento e tratamento que vão além do oferecido pela nossa Instituição. E, aí, o que fazer? Pois os CAPS, aqui em Niterói, são bem estruturados, existe um número razoável, (apesar da demanda ser enorme e, sendo assim, sempre há a necessidade de mais), além das residências terapêuticas, que, como o próprio nome já diz, são casas onde uma equipe de referência cuida dos moradores, usuários da rede de saúde mental, que são impossibilitados, por diversos motivos, de voltarem para suas famílias. Porém, apesar da proposta de inclusão social, esses lugares de tratamento não se adequam as necessidades de todos. Os Surdos estão excluídos, pois o trabalho é todo voltado para usuários ouvintes. 
     O que fazer com um Surdo, usuário de Libras, que interna em uma enfermaria do Hospital Psiquiátrico e que ninguém entende o que ele diz? Como fazer um diagnóstico sem escutá-lo? Como medicá-lo? Como referenciá-lo a um CAPS para tratamento contínuo, se ele é usuário de uma língua, que poucas pessoas compreendem?
     O que fazer? Essa é a pergunta essencial, que nos persegue. Mesmo nós, que trabalhamos com essa demanda,  por várias e várias vezes nos fazemos esse questionamento. O que fazer quando o sujeito nos procura e não temos como atendê-lo e não temos para onde mandá-lo. E estar fora do "laço social" duplamente. 
O que fazer?
     
     

domingo, 11 de novembro de 2012

O pai do Surdo, onde está?

     Escrever sobre pais de crianças Surdas não é tarefa simples para mim. Isso porque é difícil (mas não impossível) ver os pais participando da vida de terapia do filho Surdo. Normalmente, essa tarefa é delegada a mãe e em alguns casos à avós, tias, irmãs...
     Seria possível nos debruçarmos em algumas hipóteses para esse esvaziamento masculino no tratamento dos filhos Surdos e na própria relação familiar com os mesmos. Talvez isso aconteça porque, em nossa cultura - apesar de estar mudando- ainda vemos como obrigação feminina cuidar da prole, o que deixaria o homem livre para cuidar do sustento da família. Mas, então vejamos: hoje, a grande maioria das mulheres trabalham fora, às vezes somente elas trabalham para o sustento de todos, enquanto o homem fica em casa. Então, a vida ocupada do homem não seria um fator de impedimento para sua participação na vida do filho.
     Poderia se pensar também na própria condição machista feminina que se vê na obrigação de dar conta dos filhos, não conseguindo delegar aos maridos uma função que é vista como delas. Ora, isso poderia, aos poucos ser quebrado, se os próprios homens se colocassem com interesse em assumir os cuidados dos filhos. Mas será que não existe aí, uma acomodação masculina? Então, já que ela não quer deixar, também não vou insistir,pois isso pode gerar conflitos, poderiam pensar os pais. 
     Uma terceira hipótese poderia ser o fato de que alguns homens alegam "não ter jeito" para cuidar dos filhos, coisa que a mulher faz "melhor". Então, não conseguem estar nos lugares que expressam algum tipo de cuidado como clínicas, Associações de Pais, consultas... Conversar com a analista do filho, nem pensar! Psicólogo é coisa de maluco, ou um lugar muito feminilizado, porque "Homem que é Homem", não vai ficar falando dos problemas, se queixando, chorando por causa de filho! E se a Psicóloga for mulher, tanto pior. Ainda por cima, uma mulher para dizer o que está faltando, apontando suas faltas, lhe dizendo o que fazer! Isso é tão doloroso para alguns pais, que suas esposas acabam ouvindo o que pertence a elas e a eles também. Então fica tudo muito injusto. A mãe tendo que arcar com todas as responsabilidades, se sentindo culpada, incompetente e cobrada dos terapeutas, médicos, educadores...  
     Nós terapeutas também temos nossa parcela de responsabilidade nisso. Devemos tomar cuidado para não cair na armadilha de achar que, basta chamar a mãe para conversar, pois ela será nossa porta-voz para o pai da criança e que cabe a ela mudar o comportamento do pai dentro de casa. Se agirmos assim, também estaremos reforçando um comportamento cultural que impede o pai de estar presente e se manifestar no cuidado com o filho. O pai deve escolher se quer participar ou não das reuniões, mas ele deve sempre ser chamado.Chamá-lo é dizer que sua palavra tem um lugar e que ela é fundamental na vida do filho. O pai é aquele que, em psicanálise faz o corte entre a mãe e seu bebê, permitindo a entrada da criança no simbólico. Muitas vezes, na relação da mãe com o seu filho Surdo, essa entrada do pai se torna impossível em casa. Logo, o lugar da terapia não deve ser um reforçador dessa díade mãe e filho, interminável, mas um lugar onde o pai pode aparecer e ter sua palavra escutada para o bem do sujeito a advir.  
     
     

sábado, 10 de novembro de 2012

Toda criança precisa ser Adotada.

     Quando um homem e uma mulher sonham com a possibilidade de ter um filho, fantasiam a respeito de como ele vai ser, o que irá fazer, do que vai gostar, enfim, isso diz de uma idealização. Este é seu filho ideal. Podemos dizer, sem medo de errar, que, 99,9% desses casais, não sonham com um bebê que venha com algum tipo de deficiência. O narcisismo, presente em todos nós, dificilmente permitiria que a aceitação  da vinda de uma criança, que foi gerada e que carrega o material genético dessas duas pessoas, se desse sem nenhum tipo de marca ou trauma. Logo, quando a criança que nasce, mostra desde cedo que algo é diferente do que se esperava  em termos físicos, cognitivos ou afetivos, os pais tem contato com uma ferida narcísica, que muda em muito, o modo como eles vão passar a olhar essa criança. 
    Isso é perfeitamente normal em um primeiro momento, mas não quer dizer que não precise ser tratado, cuidado.
    Esses pais passam por um período doloroso de luto, necessário para que novas possibilidades junto a essa criança possam advir. Na verdade, toda criança que nasce, com deficiência ou não, causa uma queda da fantasia, pois o bebê da realidade nunca é igual ao da idealização.
E é aí que podemos dizer que toda a criança precisa ser adotada. Esse bebê que chega precisa se manter no desejo desses pais para que possa ter um lugar. E tanto a entrada, quanto a manutenção desse desejo é o que podemos chamar de Adoção. 
     Muitas crianças Surdas têm dificuldade em serem "adotadas" por seus pais. Principalmente, na época da aquisição da Língua, onde pode se dar a descoberta de que "algo não vai bem" com o filho. Os pais ficam imersos na busca de respostas: médicos, exames, terapias, tudo gira em torno da "cura".
E o sujeito fica esquecido, atrás dessa correria contra o tempo para que ele fique bom. Ao mesmo tempo ficam se questionando: de quem é a "culpa", pelo filho estar assim? Será que ele nasceu desse jeito, então a culpa é dos pais, ou foi alguma doença, algum remédio, algo que o médico não viu...?
       São situações como essas, que o analista se depara no trabalho com a Surdez. É preciso estar atento, adotar essa família e permitir que todos os sentimentos dos pais possam ser falados, sem críticas, para que haja um trabalho gerador de novas possibilidades de ADOÇÃO!

Surdo-mudo não existe!!!

      Esse título parece estranho para você? Talvez seja porque escutamos a todo momento, nas ruas, nos lugares de prestação de serviços em geral, essa expressão recorrente: "ele é surdo-mudo, ou ele é mudinho", o que é pior ainda.  
          A expressão Surdo-mudo, era usada como um termo técnico a até pouco tempo atrás. E alguns  profissionais, na área da sáude, até hoje a utilizam, apesar de não ser, nem de longe, adequado.
      Se escutarmos com atenção esse termo veremos que nele podem estar ligados vários significantes: Exclusão, aprisionamento, passividade, impossibilidade, aquele que não tem fala, não tem o que falar... 
         É claro que as pessoas, em sua maioria, não utilizam esse termo pensando nele como forma de não dar lugar aos Surdos. Mas, inconscientemente é isso o que acontece e em muitos casos, até mesmo, dentro da própria família.
          Para vários familiares de Surdos é difícil aceitar que a transmissão da Língua se dará de modo inverso. Não são os filhos que aprenderão com os pais, mas estes terão que se submeter a "Língua Materna" dos filhos: a Libras. Mas, materno não vem da mãe? Como é doloroso para alguns pais entender que não se trata de uma passagem de saberes de uma geração para outra, mas uma troca de saberes com o filho, que originalmente, deveria estar submetido "a ordem natural das coisas." Logo, se cria um distanciamento, os pais não conseguem quebrar a barreira que se ergue, quando percebem  que seus filhos têm uma identidade que não existe no resto da família. Pois, na maioria dos casos se tem um único Surdo dentro de uma família toda ouvinte.
Dessa dificuldade familiar, surge o preconceito, a recusa em reconhecer a diferença, que faz com que, desde muito cedo, o sujeito se veja tendo que lutar pelo seu espaço, defender seus direitos de cidadão, de filiação, de existência.
         Os Surdos estão por muitas décadas, lutando para se fazerem ouvir pelos ouvintes. A Surdez acaba sendo nossa. Quando eu sei que existe uma língua própria que fará com que os Surdos possam exercer seus direitos, sua cidadania, sua subjetividade e não me interesso, não valorizo essa condição eu estou contribuindo para a opressão desse sujeito. Para mantê-lo na condição de excluído.  
     Por isso, o trabalho com pais, familiares, comunidade se faz tão necessário. É através da informação dada à sociedade e do oferecimento de um lugar de escuta dessas dificuldades parentais, que talvez seja possível se construir um lugar de inclusão.




quinta-feira, 14 de junho de 2012

   Olá!! Vocês se lembram daquela moça Surda, que foi comigo ao ginecologista? Quem não sabe, ou não se lembra, é só ler o post de baixo, para entender de quem estou falando. Pois é, em  abril de 2012, ela finalmente recebeu o resultado dos exames e iniciou o tratamento. Claro que a analista aqui, precisou ler e decifrar a receita, para explicar para ela como ela tomaria a medicação, por quantos dias, quantas vezes... Hoje ela já está bem melhor. Não sente mais dor, a doença se foi. Mas, e quando ela precisar novamente do serviço do posto? Como vai ser? Será que precisarei ir ? Até quando?  

     O Surdo não é mudo, mas o mundo faz questão de emudecer sua subjetividade quando não se sensibiliza para sua necessidade maior: a comunicação. Até quando???
     

sábado, 19 de novembro de 2011

Um "estrangeiro" em seu próprio país?

          Há algumas semanas atrás fiz um acompanhamento terapêutico com uma paciente Surda profunda, ao ginecologista. Fomos ao posto de saúde perto da casa dela.
       Não estava lá, para lhe servir de intérprete. Não era essa a minha intenção e nem poderia ser, pois não tenho a formação. Fui por dois motivos: primeiro, porque seria importante para o seu tratamento, por razões que se apresentam nas sessões e que não cabe aqui, dizer e segundo,  para ver como é ser Surdo e ter que "se virar" na vida, nos lugares mais comuns e onde as pessoas não fazem idéia do que ele quer dizer.
     Chegando no posto, ela tentou explicar ao recepcionista, em que gostaria de ser atendida. Ele até que tentou entendê-la. Gesticulou, falou devagar, fez mímica, mas nada feito. Precisei ir até lá e dizer "por ela", o que ela queria. Eperamos muito para que ela entrasse no consultório. Normal. Posto de Saúde, SUS, né? Fazer o quê?
    A médica chamou. Nós entramos. Não houve um: "bom dia", ou "oi", só um seco e direto: " o que é que ela tem? Engraçado, não houve nem uma tentativa de comunicação com a paciente. Veio direto a mim. Também pouco se importou com quem eu era e porque estava ali. Me apresentei e sinalizei para a paciente o que a médica havia perguntado. Como minha paciente foi ignorada pela médica, ela fez o mesmo. Se dirigiu a mim e pediu que eu falasse os seus sintomas.
     A consulta não durou 10 minutos. A médica não encostou a mão nela. Munida de várias cartelas de anticoncepcional, (para 1 ano), minha paciente, que precisava de um exame preventivo, não pôde fazer no mesmo dia. Não sei dizer por que. Pois, pelos sintomas, a médica entendeu que era mesmo necessário esse exame. Teria que voltar em duas semanas para realizar o mesmo.
   Voltamos no prazo marcado e advinhem? A médica faltou. Remarcamos para dali a um mês!!! Um detalhe importante: se ela estivesse sozinha, ninguém iria conseguir explicar para ela, porque não seria possível realizar o exame marcado. Não iriam conseguir marcar com ela a nova data e ela não voltaria ao posto. Mas, enfim, voltamos e a consulta e o preventivo duraram, sem exagero, cinco minutos. A médica mal olhou para nós duas. A técnica de enfermagem, essa sim, super- atenciosa e cuidadosa, conversou com a paciente, (através de mim, é claro), tentou acalmá-la, pois a mesma tinha medo do exame e depois que terminou a notícia avassaladora: o exame só fica pronto daqui a DOIS MESES. Ou seja, nós começamos nossa saga no posto no início de Outubro e ela só irá saber o resultado para começar o tratamento em FEVEREIRO.
     Toda essa situação já é dura para os ouvintes, imaginem para uma moça Surda. É uma tristeza que a população em geral, tenha que passar por isso, mais ainda a população Surda.
     Pude sentir um pouquinho do que é estar em um mundo onde o muro que se ergue a frente das oportunidades, tem o triplo do tamanho para os Surdos, por causa da deficiência dos ouvintes em se interessar e compreender o diferente.